Caixinha de Música

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Tenho um carinho muito especial por esse espaço. Já perdi tantas páginas, ao longo dos tempos, que é um alívio saber que, agora, não corro mais esse risco, pois posto as minhas “mal traçadas linhas” no meu “querido diário”.

sábado, 14 de abril de 2012

Um Lugar para Todos

Eu já conhecia o talento de Thrity Umrigar, desde A Distância entre Nós, o que me motivou a ler A Doçura do Mundo. Agora, após ter lido Um Lugar para Todos, continua crescente a minha opinião positiva sobre essa escritora.
Não dá para deixar de ler esse romance de estreia de Thirty Umrigar! A maestria com que desenrola o fio narrativo é simplesmente envolvente, no sentido literal do termo. Ela enrola o leitor, envolve-o, enreda-o, não o deixa parar de ler.
A trama se desenvolve em torno de um prédio de apartamentos e seus moradores, o Edifício Wadia, num bairro de classe média, na periferia de Bombaim. As vidas dos seus moradores se desenrolam e se entrecruzam, contracenando com as contradições da cidade de Bombaim.
Durante o casamento de um jovem morador do Wadia, amigos e vizinhos se reúnem e recordam o tempo de juventude, refletindo sobre as mudanças que a vida escreveu, com a participação de cada um, de acordo com suas escolhas ou com suas omissões. A decadência de Adi Patel, a maledicência de Dosamai, a ternura de Dinabai, o lindo amor de Themi e Cyrus, o amor frustrado de Soli Contractor, a inquietação de Rusi Bilimoria com o destino de todos e a impotência diante do próprio naufrágio...Um mundo terno e denso, formado pelos moradores de um prédio.
Apesar de parecer difícil acompanhar a narrativa, há um fio tênue ligando cada capítulo-conto. É possível ler cada capítulo e sentir uma história completa, como se fosse um retângulo de uma tela, que faz parte do tecido criado e, ao mesmo tempo, é singular.
Cada história narrada se parece com a história de gente que conhecemos, ou que poderíamos ter conhecido, ou mesmo com a nossa própria história. No final, no entanto, há uma surpresa para os convidados que foram solicitados a permanecer, após a cerimônia. Em meio à surpresa afetiva, que traz o passado e ainda pode interferir no futuro, a grande surpresa, ou a denúncia, da dura realidade daqueles que não povoam as páginas do livro, mas cujas histórias correm paralelas, nas ruas da estranha cidade. A leveza da caixa forrada de cetim cor-de-rosa choca-se contra a rigidez da pedra que irrompe o salão.
Mas não vou estragar a história: surpresa é surpresa: Leia!

terça-feira, 10 de abril de 2012

VALE A PENA LER THRITY UMRIGAR



Sempre acreditei na máxima “Minha vida daria um romance”. Agora, adiciono-a à citação inicial do livro autobiográfico que acabei de ler: “Graças a Deus, a vida não nos dá o que merecemos.”

"A Primeira Luz da Manhã é a autobiografia da escritora Thrity Umrigar, da infância à adolescência, em Bombaim, até a ida para os Estados Unidos. Trata-se do relato de lembranças com gosto de romance, contado com emoção e talento.

Thrity cresceu imersa em paradoxos: amor, ódio, liberdade e repressão, doçura e rudeza; uma criança parse de classe média que frequenta uma escola católica em uma cidade predominantemente hindu; uma menina que sofre, enche-se de culpa, sente-se uma estranha no ninho familiar, e deseja ardentemente mudar o mundo, principalmente o que a cerca mais de perto.

A partir do prefácio, dirigido especialmente à edição brasileira, o livro já seduz, pois revela a sensibilidade, a delicadeza e o carinho da autora ao encontrar tantas afinidades entre a nossa cultura, tão plural, e a cultura do seu País. Descobrir que nem todos podem ser felizes como os protagonistas de A Noviça Rebelde, de que a imagem da mãe do rótulo do Ovomaltine talvez nem exista, tudo isso é crescer, é amadurecer.

A narrativa revela segredos sobre as relações familiares, a luta pela sobrevivência, a fuga através da leitura, de modo envolvente, doce e trágico. Em suas memórias, pode-se descobrir de onde nasce a fecunda inspiração da autora: do cadinho da vida. A Distância entre Nós, A Doçura do Mundo e Um Lugar para Todos tinham de nascer de uma personalidade forjada com tanta dureza, com tamanha busca e tão invencível sensibilidade.

Já antevejo o próximo livro, no qual certamente falará da sua vida nos Estados Unidos, de como se adaptou à nova cultura, dos amores que viveu, e de como revelou-se essa escritora de pulso firme e de coração sensível.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Quando escurece, podemos ver as estrelas.
Da obviedade das coisas prosaicas

Toda crônica, desde que me apanhei estudando esse gênero, ou seja, desde o início do sempre, é a coletânea de fatos históricos; de narrações em ordem cronológica; o conjunto de notícias sobre pessoas; a seção de um jornal em que são comentados os fatos; as notícias do dia, assumindo-se como gênero literário quando faz a apreciação pessoal dos fatos da vida cotidiana. Logo, é óbvio o título desse relato. Mas vamos aos gatos, aliás, aos fatos.
Tenho uma vizinha. Quem não as tem? Ela cria gatos, ao longo de trinta anos, desde que nos tornamos parede com parede. Nem ela sabe dizer quantas gerações se passaram, de gatos, claro. Ontem fui visitá-la, literalmente arrastada por três netos que queriam ver os gatinhos. E lá fui eu, ao final da tarde, visitar esses bichanos egoístas, aos quais tenho uma alergia profunda, e pelos quais quase tive pequenos desentendimentos com a vizinha.
Ao longo de quase três décadas, esses danadinhos nos perturbaram muito: comiam os passarinhos dos meus filhos, que insistiam em criar pássaros vizinhos de gatos; usavam meus canteiros para suas necessidades; faziam um amor escandaloso em meu telhado, arrebentando telhas, caindo sobre as plantas. Quando um dos meus filhos ia lá dar queixa de um gato, a vizinha sempre respondia: - O que é que eu posso fazer? É instinto. Nem essa verdade inconteste livrou um bichinho ou outro de uma bodocada, sem que disso eu partilhasse, óbvio!
Jamais criaria gato. Primeiro, porque são livres demais, soltos demais, saem e voltam quando querem, e geralmente querem algo quando voltam; são egoístas, não lhe fazem um agrado, mas se roçam em suas pernas, às vezes até para se coçarem em você; gostam de camas e de almofadas, e eu sou alérgica a pelos; têm uns olhos perscrutadores, misteriosos, incomodativos demais.
Os tempos se passaram, os filhos cresceram, os netos surgiram, mas os gatos continuaram os mesmos, sem nenhum sinal evolutivo, em sua função multiplicativa. E eis-me – quem diria? – visitando a mais recente ninhada, com os meus Gatinhos, esses muito amados e inventivos. E vi gato de tudo que é raça, cor, tamanho, idade. Os meus Gatinhos ficaram apaixonados e desembestaram ao tentar desvendar a árvore genealógica do phylum Chordata, dessa família Felidae, gênero Felis, ou sei mais o quê que a zoologia determina.
- Por que o nome da mãe é Maria Coelha?
- Ah, porque pare muito.
- Pare? Tá errado! É para!
- Não, é pare mesmo!
- “Pare” é o quê? Perguntou um dos netos, de três anos.
A vizinha ficou meio confusa e resumiu: - Pare de parir: é nascerem mais gatos, sempre.
- Ah, concordou o Gatinho. E como é o nome desse daqui? Afagava a cabeça fofa do único gato bonito da casa, um persa, cor de caramelo, todo cheio de si, para quem era comprada a melhor ração, aquele que ganhava brinquedos, e até bolo de aniversário com recheio de atum.
- O nome dele é Caramelo!
E foram desfilando nomes de gatos: Ratinho, uma coisinha feia, que havia sido encontrado numa valeta; Bolota, uma gordinha; Boloto, um gordinho; Branquinha, uma gatinha preta retinta; Chana, uma gata velha, que não paria mais, mas não parava em casa, e vários outros e outras com nomes de celebridades que nem valem a pena citar, pois não tinham nada de criativos. Tão somente a mera obviedade das coisas prosaicas.
E fiquei pensando como são parecidos, os netos e os gatos... Ambos têm uma sede de liberdade, um saudável egoísmo, um jeito manhoso de quererem bem, um sentimento de nos possuirem, em vez de nós a eles.